sexta-feira, 27 de junho de 2014

PENSE NO GARFO!

“O que une os entusiastas das facas é o conhecimento comum de que ter uma faca afiada e saber manuseá-la é o maior poder que se pode sentir na cozinha. Descobri por que a maioria dos chefs considera a faca um instrumento indispensável vergonhosamente tarde em minha vida culinária. A gente deixa de ficar nervosa diante de echalotas e bagels. Olha para a comida e vê que é capaz de cortá-la do tamanho que quiser. Os pratos adquirem um novo refinamento. Uma cebola picada com precisão – em cubinhos minúsculos – sem pedaços maiores errantes – confere ao risoto um luxo suave, porque a cebola e os grãos de arroz se fundem num todo harmonioso. Uma faca de pão afiada cria a possibilidade de torradas elegantemente finas. Domine uma faca afiada e você dominará a cozinha inteira.”

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Ouvi falar deste livro pela primeira vez em dezembro de 2012, num especial de vários colunistas do Estadão que contavam sobre seus livros preferidos. José Orenstein, entre tantos livros, falava de um de tal “Consider the fork”, ainda sem tradução aqui no Brasil. Para ele o livro é “sem academicismos, jargões, mas preciso e criativo. Sem solavancos, salta da técnica e utensílios de cozinha às grandes sínteses de pensamento sobre o ato humano de comer.”  Na época fique interessada e como já sabem, quanto mais conheço sobre a história da culinária, mais busco saber. Foi aí que meu amigo Roger me trouxe este livro. Comecei, aos poucos, a me sentir seduzida pela escrita inteligente e, ao mesmo tempo, investigativa.

Bee Wilson se intitula como “Kitchen Thinker”, e assim que nossa pensadora culinária nos conta a história sobre nossos utensílios de cozinha. No capítulo das panelas, Bee nos confessa, em tom pessoal, sobre seu conjunto de panelas favorito comprado logo após seu casamento. Ela conta também que uma leiteira que veio como brinde  do conjunto, e que até hoje ela a possui, e nem mais alça tem. O livro traz a história de certos utensílios, como por exemplo, a faca, que desde a Idade Média era um instrumento pessoal, usado na bainha. Com o passar do tempo, as facas ficaram impessoais e sem cortes, usadas nas mesas juntamente com o garfo e que, portanto, desaprendemos a usa-la. E como nós, ocidentais, temos facas para diversas atividades: faca de legumes, de pão, de chef (multiuso), entre outras. Já no Oriente era apenas usado o dao, para cortar todas as carnes em cubos do tamanho da boca.

O livro é fantástico, além de entreter, você acaba  vendo sua cozinha de uma forma diferente. Comecei a chama-lo de “Alice através do Armário da Cozinha”. Afinal, ele apresenta desde o surgimento das facas, pilões, fogões. Bee vai tão profundamente que chega a ver a veracidade nos sistemas de medidas e questionar até que ponto os usamos. Como a tal “1 xícara” tanto usada em receitas, antigamente, variava pelo sistema da xícara que cada um tem em casa. pense no garfo3Nos dias atuais, nas cozinhas moleculares, onde se mede medidas menores para poder transformar em espumas ou bens moleculares, sal e pimenta são medidos “a olho”. Nos é revelado, também, que nossos fogões atuais têm um termostato falho e já nos acostumamos a ele. No capítulo das panelas, Bee fala do processo e das panelas de cada geração passando do cobre, a esmaltada tipo Le Creseut chegando às de Tefal, antiaderentes, mas non tropo, de uma forma diferente. Nossa autora mostra a transformação social com nossos objetos e com um olhar atento questiona a sociedade desde uso indevido de vários garfos usados na corte, incluindo utensílios nem tão úteis como o spork (garfo e colher unidos num só objeto). Apresenta como eram feitas as defumações para não ser perder alimentos, passando pelo advento da geladeira e chegando à indústria de congelados teve seu auge nos anos 90. Vemos como era usado um pilão e como ele ajudava a sociedade, até o sacrifício de bater ovos à mão ou com um fouet até o advento de máquinas maravilhosas como um processador de alimentos e seu primeiro da marca Cuisineart, a batedeira multifuncional Kitchenaid que atualmente até corta massa para macarrão. Hoje num restaurante vendo pessoas comendo e seus celulares ao lado, você mesmo começa a ver a necessidade social de cada época.

“Gosto muito dos meus utensílios de medida – há uma alegria serena em examinar aquele clássico copo medidor de pirex, na tentativa de ver se o caldo para o arroz pilafe chegou à marca de 600 mililitros, ou em ver o mostrador girar num termômetro para caldas de caramelo, ou em usar uma trena para conferir o diâmetro da massa dos biscotti. Chego até a utilizar meu iPhone como cronômetro de cozinha. Ainda assim, nem tudo pode reduzir-se as medidas. Muitas coisas importantes na cozinha vão além delas: quanto gostamos da companhia das pessoas com quem fazemos uma refeição, a satisfação de usar aquela última casquinha de pão antes que ela mofe, o sabor de uma laranja sanguínea italiana em fevereiro, o prazer da sopa fria de pepino numa noite quente e a sensação de ter bom apetite e os meios para satisfazê-lo.”

pense PENSE NO GARFO!
UMA HISTORIA DA COZINHA E DE COMO COMEMOS
Autor: WILSON, BEE
Tradutor: RIBEIRO, VERA
Idioma: PORTUGUES
Editora: ZAHAR
ISBN: 8537812064
ISBN-13: 9788537812068

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