sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Uma Criatura Dócil

Entrei a poucos dias num mundo  novo e não menos sombrio que a vida real. O personagem principal conta como conheceu sua amada esposa que neste momento esta morta na mesa da sala. Diante da dor lancinante o penhorista conta como conhece a mocinha órfã que penhorando seus objetos de pouco valor e até tentando emprego de babá que luta para sair da casa de suas tias. O que lhe impressiona logo de cara é a doçura e a bondade. Como neste trecho onde vemos o que encanta o narrador: “Quando voltou, puxei uma conversa amável, com uma cortesia fora do comum. Hum! Aí justamente descobri que ela era boa e dócil. As pessoas boas e dóceis não são de opor resistência por muito tempo e, ainda que não sejam lá de se abrir muito, esquivar-se de uma conversa é coisa que elas não conseguem de jeito nenhum: mal respondem, mais respondem, e quanto mais se insiste, melhor; só que, se estiver interessado, não vá se deixar cansar.”

Aos poucos o que parece um casamento harmonioso vira um umacriaturadc3b3cilsilêncio incômodo. E se iludindo e titubeando nosso protagonista nos leva até o dia que a esposa conversa com Iefimovitch. Então o penhorista sai de seu esconderijo e leva seu objeto de  obsessão embora e este deixa a entender que a moça não é tão honrada assim. Na mesma noite num ato de desespero ela aponta um revólver enquanto ele finge dormir. Ela desisti do ato, ele compra uma cama e um biombo e instala na sala onde ela dormirá. Pondo fim ao casamento.

Ao final do livro descobrimos boquiabertos que nosso narrador não é tão puro, chamado de “personagem de subsolo” vemos nas entrelinhas onde parecia pureza existe uma sordidez e o pior do ser humano.

Em seu livro Nexus, Henry Miller que idolatrava Fiódor diz: “Quanto ao que segue, ninguém além de Berdiaev poderia ter escrito estas palavras: “Em Dostoiévski havia uma atitude complexa diante do mal. Em grande medida, pode parecer que ele se confundia. Por um lado, o mal é o mal, precisa ser exposto e deve ser destruído pelo fogo. Por outro lado é uma experiência espiritual do homem. É parte do que lhe cabe. Em seu trajeto, o homem pode sair enriquecido da experiência do mal, mais é necessário compreender isso da maneira correta.”

Fidór construí em “Uma Criatura Dócil” uma colcha de retalhos de um personagem doente, obsessivo. O autor começou a ter o embrião do conto quando viu no jornal a história de Maria  Boríssova, jovem costureira moscovita que tenta a sorte no império, caindo na miséria, joga-se do alto de um prédio, abraçada a uma estátua da Virgem. Em 1876 escreve Diário de um Escritor, uma coluna no jornal Grazhdanin (O Cidadão) que logo se tornou uma revista mensal autônoma, dirigida pelo próprio Dostoiévsky. No mês seguinte ao suicídio de Maria em vez de sua coluna ele publica seu conto fantástico “Uma Criatura Dócil”. Os contos fantásticos apenas contam a realidade por um ponto diferente. Neste caso pelo narrador um fracassado que quer mostrar a doçura no lugar de uma rebeldia e de um ato de desespero de sua mulher.

Uma obra-prima que vale a pena ser lida. Montada como um mosaico onde tentamos descobrir onde o casamento falhou.

“Uma Criatura Dócil", Fiódor Dostoiévski, tradução de Fátima Bianchi, editora Cosac & Naify, 1a. edição (2003) brochura 13.5x20cm, 96 págs., ISBN: 978-85-7503-197-X

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