quinta-feira, 30 de maio de 2013

A Experiência do Boteco

 

Outro dia desses estive pensando porque eu gosto tanto de botecos. Mas de botecos mesmo, não desses barzinhos bonitinhos que tentam imitá-los. Minha conclusão foi a de que gosto de tudo que é autêntico e espontâneo, de tudo que tem aquela brasilidade natural e despojada. Não entenderam nada, né? Pois bem, vou explicar com alguns exemplos:

1. Os botecos localizam-se em esquinas. Isto facilita a livre circulação de pessoas e torna o ambiente mais democrático. Esta localização também remete ao fato de o Brasil ter sido considerado, por muito tempo, como uma esquina do mundo, um lugar periférico, boteco4assim como os botecos são vistos com relação aos restaurantes e bistrôs.

2. Os acabamentos e a decoração seguem um critério meramente prático, feitos, muitas vezes, na base do improviso. O piso, os azulejos e o tampo do balcão são do material mais barato e disponível em grande quantidade na loja de materiais de construção mais próxima. Geralmente tem uma coloração que inicialmente tendia à azul-claro, mas que depois de alguns anos, submetido a frituras, adquiriu algo parecido com cinza-desbotado. Não pode faltar algum santo (de preferência São Jorge ou Nossa Senhora Aparecida) em algum canto atrás do caixa.

3. A comida é da mais brasileira possível: arroz, feijão, farofa, alguma carne de porco, laranja, um tira-gosto de cachaça antes e depois um cafezinho extremamente açucarado tirado do coador. Se for feijoada de 4a ou sábado, só é boa se até o serviço for de “porco”. E se te perguntarem se quer a light ou a normal, saiba que a primeira é bem mais tranquila porque vem só com carne de porco, enquanto que a segunda, só Deus sabe. Se for café da manhã, a pedida certeira é um pão na chapa, uma vez que vem com gosto de bacon devido ao fato de a chapa nunca ter sido devidamente limpa.

4. Todo bom boteco é também lugar de cachaceiros, portanto a variedade de bebidas é um elemento importante. Sempre tem vasta oferta de pingas como 51, Pitú e Pedra 90. Além, é claro, de uma ou duas garrafas de Dreher, rum Montila (aquele do pirata) e um vinho português. Sobre o vinho, vale ressaltar que em seu rótulo de estar escrito apenas “vinho tinto de mesa” e “português”, nada de safra 2009, Merlot ou Cabernet-Savignon, e, muito menos, oriundo da região do Mondengo.

5. Todos os fatores acima citados fazem com que nos botecos exista uma experiência completa de Brasil. Certamente, seria o primeiro lugboteco8ar onde eu levaria um gringo pra ver se ele entende alguma coisa do que acontece por aqui. Sendo assim, o único fator que realmente é levado em consideração, por qualquer frequentador de boteco, é a sua relação de amizade com o garçom (ou seja lá o nome que se dê para o Bigode, o Ceará e o Dachapa). Tal amizade, adquirida em apenas 5 minutos de conversa e três ou quatro comentários sobre o jogo de ontem, garantem sua comida quente, a possibilidade de pagar fiado e dois torresmos a mais em dias de feijoada.

Deu vontade de ir num desses não deu? Então seguem algumas sugestões de botecos dos bons:

Roteiro A: Vá para a Rua Augusta (sentido Centro, claro). Logo no segundo quarteirão você já vai encontrar alguns botecos muito bons. Mas eu desceria mais alguns quarteirões porque quanto mais se desce, mais autêntico fica o negócio.

Roteiro B: Vague sem rumo pela Santa Cecília (aquele bairro ao lado de Higienópolis). Praticamente, em cada esquina tem um boteco e é um dos poucos lugares da cidade onde eles não estão descaracterizados. Vá preparado para não entender nada que o garçom fala e muito menos do que a clientela está conversando.

Roteiro C: Este é para os boêmios que querem alguma coisa menos trash. Vá para a Vila Madalena! Mas nem pense em entrar em barzinhos e passe (muito) longe da Rua Aspicuelta (principalmente em seu cruzamento com a Mourato Coelho. Aquilo é um atentado ao bom boêmio). Minha dica de boteco é na rua Wisard, entre a Fidalga e a Fradique Coutinho. Aquilo sim é a Vila Madalena autêntica!

Atenção: Nenhum boteco foi citado para que não deixe de ter as características mencionadas acima. Pois alguns locais com a fama se transformariam em bares.

Guilherme Rocha Freitas: Formado em Relações Internacionais e pós-graduando em Estudos Brasileiros. Percebeu que o exterior pode até ser chique ou exótico, mas que o Brasil é uma coisa linda e difícil de achar. Nasceu e vive até hoje na Vila Madalena, onde convive diariamente com a boêmia e cultura que transbordam do bairro. É também Ministro da Poesia da Confraria da Paulicéia Desvairada, um grupo de jovens que sofrem de nostalgia por tempos não vividos e que chegou para reinventar a boêmia.

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